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Foto do escritorCardoso Júnior

Mistérios da Carne – EUA – 2004


Aos 8 anos uma criança tímida acorda do lado de fora de sua casa com o nariz sangrando, sem lembrar como chegou ali e passa a ter medo do escuro, urinar na cama e ter pesadelos terríveis. Enquanto isso, seu colega da mesma idade no time de beisebol passa a ter experiências muito além da compreensão da sua idade. Teriam ambos sido abduzidos por alienígenas? Talvez sim, talvez não e, aos dezoito anos, quando se reencontram descobrem que as memórias da infância não são o que parecem.

Eis uma daquelas obras com uma leve pegada de filme B extremamente inquietante e que passou batida para a maioria do público, muito provavelmente por tocar em pontos muito sensíveis de maneira explicita o que, certamente, chocaria e impactaria espectadores na época de seu lançamento. E, então, foi varrida pra baixo dos tapetes dos cinemas atingindo poucas pessoas apesar de seu tema polêmico, ainda que 20 anos depois, ser extremamente relevante principalmente para pais e mães do mundo todo.


A obra abre com uma narração em primeira pessoa que diz: "No verão em que eu tinha 8 anos, cinco horas desapareceram da minha vida. Cinco horas. Perdidas. Foram sem deixar vestígios." E, com isso, pega e leva ao espectador inapelavelmente para dentro de uma investigação muito bem camuflada por outros temas com altíssimo teor psicológico acompanhando – ou comparando – separadamente, a vida díspar dessas duas crianças ao longo dos anos até que completam a maior idade e precisam se reconectar para expurgar e encaixar traumáticas memórias das suas vidas para poderem prosseguir.

O roteirista e diretor Greg Araki adapta com muita perspicácia o romance de Scott Heim mantendo um ritmo intenso que vai avançando sempre dentro de atmosfera bastante incômoda, seja através de pais desleixados ou mães ególatras, abstendo-se de tomadas muito elaboradas preocupado em nos mostrar, mesmo sem nenhum otimismo, como duas crianças vítimas do mesmo trauma seguem a vida de adolescentes de maneira muito diferentes amparando-se em versões de um imaginário onde a fantasia romântica mistura-se com uma fantasia de abdução alienígena. Eis um trabalho sobre espelhamento e negação.


Aqui vale ressaltar a ousada performance de Joseph Gordon-Levitt bem antes de se tornar ator conhecido, ao longo dos 97 minutos, e o roteiro repleto de mistérios e enigmas e, ainda que deixe uns dois ou três personagens sem nenhum aprofundamento, vale pela abordagem inédita de um tema tão espinhoso ainda que nos dê o benefício, no final, de uma catarse. Redentora? Não sei.



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