Meu Bolo Favorito – Irã - 2024
- Cardoso Júnior
- 26 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de out. de 2024
Analise 1.710

O filme vencedor do Prêmio FIPRESCI de Melhor Filme no Festival de Berlim 2024 e do Prêmio do Júri Ecumênico é tão polêmico quanto encantador ao focar inteiramente em um grupo septuagenário e suas questões, algo raro de se ver no cinema.

Essa pérola, que o governo iraniano fez de tudo não só para proibir quanto para apagar, só conseguiu chegar ao festival e ao mundo, graças a uma cópia que vazou antes de seu diretor e atores terem seus passaportes confiscados sob a alegação que a estória infringia todas as regras da “policia dos bons costumes” do regime autoritário e ditatorial que assumiu o poder em 1979 colocando a religião acima de tudo e retirando das mulheres até o direito de se vestirem como desejam.
Sorte nossa!

Essa comédia romântica inusitada foca seu roteiro no simples, no básico, no cotidiano de uma mulher de 70 anos solitária que vive em Teerã, – viúva com filhos crescidos morando fora do país - presa as rotinas de uma vida monótona e repetitiva que se insurge contra essa situação, por acreditar que a vida ainda tem muito a lhe oferecer, e parte, discreta, porém resoluta, em busca de um parceiro que lhe possa fazer companhia amorosa ainda que não sexual. Ela quer apenas uma conexão de almas que lhe reacenda a vontade de viver e ter um alguém com quem possa conversar, cuidar – ser cuidada - e cozinhar para.
Algo muito natural para nós ocidentais, mas uma gigantesca quebra das rígidas regras iranianas.

Seguindo minha forte convicção de nunca contar, revelar um roteiro para não pôr abaixo a experiência do espectador, Meu Bolo Favorito segue a protagonista enquanto retira vestidos trancados no armário, experimenta voltar a se maquiar e sai, sempre cautelosa, para locais- restaurantes, parques e cafeterias - onde vê chances de encontrar alguém que também busque o mesmo que ela. Companhia!

E, claro, encontra. Olha só o spoiler. A partir daí, o que vemos é um encontro onde todas as regras do regime são quebradas, pois ela se apresenta sem cobrir os cabelos, convida o homem para sua casa, cozinha para ele, abre e oferece uma garrafa de vinho (pecados), e desenvolvem uma deliciosa e muito sincera conversa sobre suas vidas com diálogos naturais, porém inteligentes e alguns silêncios preenchidos por troca de olhares, culminando numa deliciosa dança pela sala onde a felicidade de ambos, por tão pouco, fica evidente por não se preocuparem com o desfecho ou mesmo destino do que se inicia, pois o roteiro – e eles – estão muito mais interessados em viver a alegria de um momento tão inesperado e ao mesmo tempo tão almejado por ambos.

As próximas horas do “casal” são repletas de ternura singela e prazeres comuns com ares de comédia, embora se trate de um drama muito bem desenhado onde o contexto sócio político e a dimensão que seus simples atos podem alçar diante do controle de um governo que controla seus cidadãos e, ainda que seu final tenda para o agridoce, prova e comprova que as revoluções intimas são poderosas e que nunca é tarde demais para recomeçar, resultando num trabalho sensível e importante que agradará e prenderá todos os públicos do começo até o fim.

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