Analise 1.686
Todo bom cinéfilo sabe das dificuldades que é filmar no Irã e do extenso número de diretores que foram presos e até fugiram do país por conta das perseguições de um regime altamente ditatorial e arcaico que não aceita nenhum tipo de crítica por menor que seja.
Por conta disso, os cineastas Ali Asgari e Alireza Khatami fizeram #CrônicasdoIrã às pressas, com financiamentos próprios, de forma “ilegal” e sem passar pela censura do país e conseguiram divulga-lo no Festival de Cannes 2023, onde entrou pra seleção oficial Um Certain Regard que o aplaudiu de pé muito por conta de ser um genuíno filme de denuncia para o mundo sobre o regime islâmico que há mais de 45 anos oprime, subjuga e controla com garras de ferro a população iraniana.
Partindo de dez estórias curtas e simples, com total foco em pessoas mais que comuns envolvidas em situações corriqueiras que esbarram na arcaica e intransigente burocracia do país, como, por exemplo, escolher o nome do próprio filho e tentar fazer a certidão de nascimento com o nome de sua preferência e, descobrir que existe uma lista de nomes permitidos e proibidos. Davi, como é o caso da primeira estória, não pode, de jeito nenhum, por ser estrangeiro, a modesta produção vai escalando por situações banais com muito sacarmos, evidenciando o elevado grau do abuso de poder sofrido por pessoas como nós.
Explorando situações verídicas ainda que fictícias, sempre com uma câmera fixa na pessoa ou vítima sendo questionada e muitas vezes até humilhada por um interlocutor que nunca entra no quadro, a empatia que desperta em nós é imediata e ilimitada diante de tantos abusos e autoritarismos como no caso da moça que foi presa por estar dirigindo seu carro sem o famigerado véu cobrindo-lhe os cabelos.
Se, no início, nós, ocidentais, reagimos achando muita graça nos bizarros diálogos e no inusitado das esdrúxulas situações, aos poucos vamos percebendo a veracidade delas e nos colocando em seus lugares – sempre com vontade de estrangular o interlocutor – nosso pico de interesse vai numa constante crescente principalmente pelo engenhoso roteiro nunca, em nenhuma das estórias, nos levar até a solução do “caso” deixando esse trabalho para a imaginação do espectador.
A janela de visão que a câmera nos coloca, nos deixa como espectadores presentes nas situações, vivenciando com os personagens as suas vulnerabilidades ainda que, em muitos casos eles argumentem e contra-argumentem de forma incisiva mesmo que sempre resulte em humilhações, rispidez como no caso de tirar uma simples carteira de motorista que escala para uma situação grotescamente inimaginável.
Por fim, esse trabalho despretensioso esteticamente, mostra-nos com sua mise-en-scéne o cotidiano de uma sociedade obrigada a respeitar uma religião abusiva que embasa as leis de um Estado teocrático, provando para nós – espectadores indignados – que graves denúncias também podem ser feitas utilizando-se da comicidade dos absurdos que moldam o comportamento de toda uma sociedade oprimida.
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