Usualmente, escrevo as análises em terceira pessoa, não por pedantismo, mas para manter a justa distância de seu objeto. Nesta, entretanto, farei uso da primeira, intempestivamente, pois o processo de observação foi abruptamente interrompido por uma falta de luz incoercível, que nos forçou a deixar a sala de projeção, supostamente, quase no final, deixando uma impressão. Já na segunda, a termo, outra, completamente diferente, como se fossem dois objetos distintos.
O roteiro de Safy Nebbou e Julie Peyr encontra Claire, nos cinquentas, na sala de sua terapeuta substituta, revisitando sua trajetória desde o abandono por seu affair, Ludo, e criando o perfil de Clara Antunes no Facebook, para se aproximar de Alex, melhor amigo de Ludovic. O texto trata então das carências que levam Claire a estabelecer uma relação virtual com Alex, por mensagens, postagens e telefone, onde as amenizam, inclusive as sexuais, e as idiossincrasias de ligações forjadas virtualmente entre desconhecidos, e suas consequências, pois se ignora as condições emocionais da pessoa do outro lado da linha, no caso Alex, culminando em tragédia. Até então, o interesse é mantido, e a curiosidade aguçada por cenas de Claire submersa, deixando o ar se esvair, no início e durante a projeção, quando faltou a luz e fomos convidados a deixar a sala. Como Claire reagiria ao trágico incidente? Era a pergunta que não se calava desde então. Contudo, à segunda vista, a continuação trouxe reviravoltas e duas novas narrativas se apresentaram, a de Claire, criando um final novo para o enlace, que não é tão interessante quanto a primeira parte, e a da realidade, desvelada por sua terapeuta em ação inconvencional e, um tanto, inverossímil. Perguntei-me que tipo de terapeuta faria aquilo? E, por que as roteiristas criaram essas reviravoltas seccionando a espinha dorsal do enredo para outras direções? As expectativas não foram atendidas, e fiquei mais satisfeito com a versão da história criada, ao acaso, pelo apagão.
A direção de Saffy Nebbou, diferenciada, com belíssimas tomadas e movimentos de câmeras, concede o intimismo necessário ao texto, vide a belíssima cena de sexo “virtual” ao telefone. Juliette Binouche, a Claire, excelente, prende a atenção quando o texto a deixa esvair; Nicole Garcia, sua terapeuta, concede muita veracidade à personagem contradita pela dramaturgia; François Civil, o Alex, embasa os encantamentos de Claire em atuação cativante, resolvendo muito bem as fragilidades da personagem; e Guillaume Gouix, o Ludo, não acreditou muito na mentira da sua, nem eu. A fotografia é excelente e coaduna com a direção e o texto. Música, arte e edição são muito boas.
Uma válida análise dos relacionamentos em tempos de redes sociais, sob o ponto de vista de Claire, suas carências, suas falhas, suas qualidades, sua persona, que, na minha humilde opinião, careceu de um final mais digno para tais instigações, mas, por Binouche, vale assistir.
Em cartaz. #PlayTime #DiaphanaDistributor #CaliformiaFilmes #QuemVocePensaQueSou #CelleQueVousCroyez
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