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Foto do escritorFábio Ruiz

Democracia Em Vertigem – Brasil – 2019

Atualizado: 8 de ago. de 2020


Ao assistirem a um documentário, muitos acreditam que o gênero, por si só, imbui-se de verdades, e que tudo que veem esteja coberto pelo sagrado véu da veracidade. Isso nada mais é do que uma silepse. Ao verem imagens reais, especialmente as contemporâneas dos espectadores, esses supõem se tratar de algo que realmente se sucedeu, e não do que realmente é: uma narrativa criada para defender uma tese, uma proposição, atestando-a de argumentos baseados em fatos relevantes para convencer o espectador de sua validade.


Toda narrativa tem uma voz, cuja escolha é fundamental à defesa de suas premissas. Democracia Em Vertigem traz a voz da documentarista, diretora, roteirista e produtora, que, estrategicamente, posiciona-se politicamente, já na enunciação de sua tese, afiançando ainda mais o seu discurso, cingindo os espectadores nos braços da franqueza, e com a qual o roteiro, sabiamente, almeja criar proximidades, com sua voz, sua história familiar, que reforça o seu posicionamento político, buscando dignificá-la ainda mais, ao explicitar o lugar de onde fala, como quem diz: ela não tem nada a esconder quando enuncia que Dilma sofreu um golpe, Lula é vítima de perseguição política, e a democracia foi vertiginosamente maculada em conluios rumo ao passado autoritário.


Com o exato objetivo de minar suspeições a sua voz e discursos, assume que o único erro cometido por Lula, Dilma e o PT foi comprometerem-se com forças políticas corruptas para chegarem ao poder e alcançarem à governabilidade, ou seja, que esses apenas pecaram por péssimas escolhas partidárias, concretizando assim uma tão clamada autocrítica à esquerda, que, inteligentemente, ao mesmo tempo, exime Lula, Dilma e o PT de culpabilidades reais sob o delicado véu da sinceridade. E essa voz, doce, sincera e próxima, da garota da porta ao lado, tanto forte, quanto frágil, cria, brilhantemente, um fio condutor argumentativo verbal, imagético e musical para convencer os espectadores de sua tese, desvelando argumentos para embasá-la e persuadi-los de sua sinceridade e sua veracidade. A narrativa começa com Lula no sindicato dos metalúrgicos prestes a ser preso, entre militantes sôfregos e opositores zombeteiros, e se posiciona à porta do Palácio da Alvorada, quando a narradora, endereçando o público internacional, apresenta o seu país, incluindo o discurso do preconceito racial para açambarcar maiores massas, e que permanecerá direta ou subliminarmente presente.

Sem entrar em detalhes da narrativa, Petra cria uma trama política para corroborar sua tese, que compreende os dois lados de extratos, aqueles que foram selecionados, intencionalmente, mas, ainda mais importantes, outros que foram suprimidos, propositadamente ou não, que podem dizer mais sobre os fatos do que os primeiros, mas apenas conhecidos pelo povo brasileiro, mesmo assim não em sua totalidade, jovens e desinformados podem os desconhecer, mas dos quais a maioria dos estrangeiros é ignorante. Entre os oblívios, qualquer ínfima possibilidade de culpa de Lula ou Dilma, os fatos que as afirmam, como delações, inclusive de ex-aliados, como Palocci, e os inúmeros outros processos em que ambos são réus.


​Além disso, existe uma narrativa sensorial, imagética, auditiva, emocional. Os militantes do PT, de Dilma e de Lula, geralmente, são negros, na maioria das vezes, ordeiros, abandonando a ordem apenas como revolucionários contra forças coercitivas e ilegítimas, carinhosos, doces, inocentes e pacíficos, enquanto os daqueles que se opõem ao seu discurso são brancos, zombeteiros, perpetradores, agressivos ou guerrilheiros. Dizem que o diabo mora nos detalhes, mas, na realidade, mora nos extratos, naquilo em que desejamos ver, mas, principalmente, naquilo que, deliberadamente, optamos por não ver. A música segue a mesma linha, sendo forte, suave, doce nos extratos que lhe interessam e, grave e autoritária nos que não, dito isso, essa, a arte, a edição e a fotografia são excelentes, mas, como a totalidade da produção executiva, muitas contam com profissionais estrangeiros. Em meio a essas conjunturas, Petra ainda inclui em sua teoria da conspiração, cada um tem a sua, o envolvimento de todas as instituições do Estado Democrático de Direito no golpe em Dilma e na prisão de Lula, o congresso, o STF, a imprensa, mas, mais oportunamente, o discurso da suspeição de Moro, que, tempestivamente, coaduna com as denúncias de Glenn Greenwald, do The Intercept. Documentários carecem de um olhar mais perspicaz dos espectadores e de perspectivas e conjunturas políticas, sociais, econômicas e culturais para analisá-los. Assumir como sua a narrativa de outros é indício de alienação, uma visão crítica é imperativa, acredite você ou não na #DemocraciaEmVertigem.


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