O quarto remake de filmes homônimos tem o desafio de superar os anteriores. O original, e melhor, de 1937, com Fredic March e Janet Gaynor, agraciada com o primeiro Oscar de melhor atriz da história, em 1929, foi indicado a sete Oscars, incluindo melhor filme, diretor, ator, atriz e roteiro original, e venceu o de história original, premiação essa descontinuada pela Academia. O segundo, de 1954, com James Mason e a famosa Judy Garland, foi indicado a seis Oscars, incluindo melhor atriz, ator e música original, mas não ganhou qualquer, e evolui do primeiro com a inclusão de números musicais, afinal é de Judy de quem falamos, e algumas pequenas alterações nas personagem e trama, como a profissão de Esther. Já o terceiro, de 1976, com Barbra Streisand e Kris Kristofferson, é uma revolução em relação aos antecessores, abandonando diversas de suas características originais, mantendo apenas o primeiro nome da protagonista feminina, e o do meio do masculino, em comum com o primeiro, e acentua, consideravelmente, o viés musical.
Apesar das alteridades, os três compartilham o mesmo núcleo dramatúrgico em suas narrativas e nas transformações das personagens. Um homem famoso, talentoso, mas dependente químico, encontra uma mulher talentosa, a quem ajuda a sua carreira a decolar e por quem se apaixona, e, apesar do amor genuíno, evoluem, o primeiro, para a decadência e o esquecimento, e, a segunda, para a fama, a riqueza e o estrelato. Contudo, observa-se crescente diluição dramatúrgica com o acentuar da musicalidade, como quando se coloca água no feijão.
Nasce Uma Estrela, de Bradley Cooper, é feijão ralo, mais água do que caroço, e ao afirmar isso, corre-se enorme risco de nadar contra a corrente do “status quo” estabelecido ao redor de Lady Gaga, que foi pinçada a dedo para endossar o produto com o gigantismo de seu nome, competindo com Janet, Judy e Barbra, tornando-se seu melhor ativo, e, ao mesmo tempo, seu pior passivo.
O roteiro de Eric Roth, Bradley Cooper e Will Feters dilui tanto os conflitos e tensões da história original, que rompe a espinha dorsal narrativa, a ponto de não se perceber quando efetivamente desperta a sua decadência, nem a motivação de suas ações, e, simultaneamente, enseba a trama com penduricalhos, inexistentes nas anteriores, para tentar engrossar o feijão, como a presença rés do adorável cãozinho, a relação fraternal de Jackson, a parental de Ally, o novo nome de Esther para, frivolamente, lhe conceder alguma originalidade, e frases de efeito para maquiar a superficialidade das tensões nos diálogos. A marcação da passagem de tempo, importantíssima no enredo, também é débil, mas essa pode ser mais uma falha da condução do que do texto, ou de ambos. Não fosse isso tudo, o próprio roteiro sinaliza a possessão de Ally por Gaga, quando a posiciona cantando em um bar de “drag queens”, que não podia ser mais original em se tratando de quem se trata.
A direção de Bradley é péssima, que apesar do enorme esforço para a singularizar, acaba por confundir e entediar mais do que distinguir. Há tanta confusão em algumas cenas, que, ou não as se entende, ou as atribuí feições de comédia pastelão, quando se trata de um grande drama, vide a cena no Grammy Awards, em que os espectadores gargalham, quando deveriam se sensibilizar e silenciar perante a tanta degradação humana, cuja sequência, no banheiro, consegue ser ainda pior, lembrando cenas de “I Love Lucy” com Lucille Ball.
A atuação de Bradley Cooper não fica atrás de sua direção. Seu tom de voz está mais grave do que o usual, talvez se inspirando em Kristofferson da terceira releitura, penalizando a organicidade da personagem, e não alcança a profundidade dramática necessária para justificar sua ação final, pois as agruras, que passam os protagonistas nos três primeiros filmes, nesse, ou não existem, ou estão diluídas, ralas, e escorregando em tanto sebo incluído no roteiro.
Lady Gaga, também prejudicada pela superficialidade dos conflitos e tensões do texto, não os consegue compreender, e toda a sua atuação parece deslocada, fora de eixo, e apelativa à artificialidade para contornar suas debilidades hermenêuticas intrínsecas. Vemos desde uma das primeiras cenas, quando sobe uma rampa, Gaga sobrepujando Ally, que o faz, afiançada pelo texto, transformando a segunda na primeira, sem suas maquiagens e seus figurinos extravagantes, por completo, no final.
A ausência de organicidade é ainda mais evidenciada na exiguidade de verossimilidade na expressão de sentimentos como a raiva, observe as cenas em que abandona o trabalho ou quebra os quadros no corredor, ímpares, a insegurança, que subsiste em apenas algumas caras e bocas, que rapidamente dão lugar a confiança subliminar de Gaga, e o sofrimento, onde a edição colabora para indicar uma possível fabulação de lágrimas.
Desde que ganhou viés musical, essa versão é a que possui as canções e números mais insossos, lembrando que Barbra levou o Oscar de melhor canção original, com Evergreen, na sua. O filme acaba por ganhar formas de sequência de videoclipes, ou seus “making of”, intercalados por tímida dramaturgia, mas nenhuma canção contagia como as de seus dois predecessores. A edição incomoda com transições rápidas de tomadas extremamente curtas, que adicionam à dificuldade da percepção da passagem de tempo. Fotografia e arte são excelentes.
Bradley Cooper dá um passo absurdamente maior do que suas pernas ao assumir direção, roteiro e atuação em uma refilmagem com três anteriores bem-sucedidas, que apesar de todas as fragilidades, logrará sucesso e, talvez, algumas indicações, ou até premiações, sob a tutela do gigantismo do “status quo” de Gaga, legitimada por legiões, especialmente pelo público LGBT, que, pelo menos, garantirão boas classificações em sites de avaliação e de críticos intimidados por seu poder, quando, se analisado com circunspecção, concluir-se-á ser um terrível engodo.
PS: Em cartaz.
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