Poucas obras literárias ou cinematográficas permanecem tão atuais como a adaptação cinematográfica do livro homônimo de José Saramago (Nobel de literatura), pelo brasileiro Fernando Meirelles que obteve uma indicação a Palma de Ouro.
Filmado em São Paulo, Montevidéu e Toronto, o roteiro não revela qual país a epidemia de cegueira se abate sobre os humanos e nem qual é o Estrado que falha miseravelmente em atender as necessidades básicas da população deixando-as por conta própria, entregues a sua própria sorte no que concerne a sobrevivência individual ou grupal, apenas isolando-as numa “quarentena” que irá desencadear todo tipo de instintos animais na desesperada luta pela subsistência frente à falência do sistema social civilizado. Sim, tal enredo parece ser ficcional e, em certa medida o é, mas para quem acompanha as notícias sobre nosso planeta e alguns regimes políticos entenderão a metáfora proposta nesse trabalho como perigosamente e incrivelmente muito atual.
Para quem leu o livro, fica muito claro que a direção não só respeita a obra primária bem como respeita seu epicentro apresentado o mesmo grau de dramaticidade em muitas cenas sem se desviar da ideia central que nos fala sobre a cegueira infringida a nós por certos tipos de governos travestidos de humanitários quando se trata, na verdade, de regimes totalitários onde, pela escassez dos bens comuns, levam os seres humanos à anarquia e as barbáries provocadas pelo medo.
Com direção de fotografia primorosa que provoca vários espocares em branco, não há como o espectador não se sentir com a visão comprometida também enquanto a trilha experimental provoca uma sensação catártica de pertencimento e reconhecimento amplificada pelas potentes e contundentes interpretações de todo o respeitável elenco.
Assim, “Blindness” enquanto ficção envolta por poderosas metáforas, nos fala de forma visceral que a cegueira mental e o confinamento de idéias são o poderosos instrumentos governamentais para perpetuarem a corrupção sistêmica através do crime organizado que promove, `a seu interesse, a violência desenfreada e as divisões de raças e pessoas por conta da ambição desmesurada pelo controle das massas e, tudo isso, apenas pelo vil metal.
Ainda que num cenário apocalíptico repleto de desesperanças e misérias, #EnsaioSobreaCegueira, acena com a perspectiva de só através do resgate das relações amorosas, do reconhecimento tátil do caminho do outro é que será possível a verdadeira humanização e, pelo aqui e pelo agora, é que precisamos, mais do que nunca, mantermos os olhos bem abertos e imunes a epidemia sistêmica da cegueira do coletivo.
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