O vencedor do prêmio da crítica (críticos de cinema de vários países), do Festival de Cannes/2018, é um suspense denso meticulosamente montado de forma tão genial que faz o expectador pensante questionar sobre o que ele considerava ser um Thriller após essa obra onde o conhecido diretor e roteirista Lee Chang-dong, parte de um conto de Haruki Murakami para, em duas horas e meia, fazer um interessantíssimo estudo de personagem que, com muita sutileza vai formatando um clima de mistério, de muitas dúvidas, ainda que, a princípio, tenha-se a impressão de que nada está acontecendo.
Burning, que não opta por soluções fáceis embora transite por uma estória simples, trabalha com inteligência e sem pressa a construção de várias sugestões, cena após cena, provocando e desafiando o expectador a fazer suas conjecturas enquanto mantém com galhardia um alto pico de tensão subliminar na certeza de que algo muito grave acontecerá a qualquer momento aos três únicos personagens.
Mas qual deles e o que?
Seguindo uma construção emocional primorosa que foge radicalmente dos roteiros convencionais do tipo Hollywood, - isso pode causar impacto desfavorável a quem só conhece esse estilo-, a narrativa nos leva por várias nuances dedutivas, como na arte da pantomima, onde o que parecer ser, talvez não seja, e apostas são lançadas em busca da charada proposta pelo artista que, genialmente, prefere deixá-lo com alguns pontos de interrogação flutuando à frente, pois se a paranoia se instala, pode ser que pessoas corram reais riscos de vida ou, serão apenas perigos supostamente ocasionados por mentiras?
Com trilha sonora inquietante e bastante pontual, a direção faz uso da câmera de mão em várias cenas bem como notáveis planos-sequência e uma fotografia portentosa dos espaços abertos, Burning apresenta-nos uma concretude realista mais que bem amparada por um elenco de primeira linha que nos prende a ele durante o aparente relacionamento triangular, repleto de conotações muito sutis sobre o privilégio de classes na Coréia do sul, profundas questões familiares, ciúme sexual, justiça e, claro, vingança sem olvidar da homenagem ou referência explícita a William Faulkner.
Visto inteiramente a partir da perspectiva de um jovem, o fogo do título funciona a perfeição para ilustrar a construção dos desejos, a libido incandescente de jovens criados numa fronteira entre o “bem e o mal” numa dança de pulsões entre o grande faminto e o pequeno faminto. Mas você tem fome de que?
E, em meio a tantos impasses, a ansiedade pelo fechamento dos arcos torna-se quase insuportável por conta das inúmeras mudanças de tom da narrativa até seu clímax aterrorizante, sua cena final, catártica, estranha, violenta e inusitadamente natural.
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