Antes de tudo, é preciso alertar os amantes de entretenimentos com muitas ações, reviravoltas, explosões, capas, espadas e escapismo lenitivo, que devam passar longe dessa magnífica produção, pois retrata a vida como ela é, ou como também pode ser para milhares de pessoas, e isso incomoda na mesma medida que requer enfrentamentos.
Lançado no Festival de Sundance este ano e, magnificamente elogiado pela critica, o diretor nigeriano, Andrew Dosunmu com formação em fotografia, é ao mesmo tempo um drama inquietante sobre as necessidades econômicas de alguns seres humanos e um thriller psicológico que chega a mexer com os nervos dos expectadores. Partindo de um plot mínimo sobre uma mulher de meia-idade em Nova York, desesperada para encontrar emprego, preocupada em como pagar o aluguel, caminhando pelo seu bairro, preenchendo vários formulários, entregando currículos, se desfazendo dos poucos bens sem que ninguém tome conhecimento dela; é um trabalho tão memorável e primoroso quanto angustiante.
Dosunmu, genialmente brinca de esconde-esconde com sua protagonista, disfarçando-a de várias maneiras entregando pra grande Michelle Pfeiffer uma oportunidade espetacular de comprovar seu talento através de muitos silêncios e expressões que nos contam a estória da heroína comum; estória que não ouvimos, mas sentimos o coração apertar em todas suas cenas.
Todo esse genuíno trabalho é espetacularmente fotografado pelo genial diretor de fotografia Bradford Young, ("Arrival" e "Selma), que nos leva para ambientes escuros, sombras, silhuetas e enquadramentos fora do esquadro que vão provocando uma atmosfera poderosamente claustrofóbica numa verdadeira aula de iluminação repleta de matizes e texturas que criam uma identidade visual tão imagética que nos joga para dentro da narrativa sem, no entanto, permitir que nos aproximemos dos personagens. E, quanto a Michelle Pfeiffer, ela não briga com essa luz peculiar, pelo contrário, ela usa a escuridão para ressaltar expressões da sua angústia sem adornos e, certamente, merecedoras de inúmeras indicações.
Enquanto Michelle brilha no escuro, Kiefer Sutherland a ampara com seu temperamento doce sem notar ou mesmo intuir que Kyra pode ser uma perigosa e inconsciente femme fatale à beira do abismo em sua desesperada jornada rumo a criminalidade e que pode arrastá-lo com ela. Sim, e isso tudo partindo de um fiapo de roteiro ainda é permeado por uma trilha sonora e desenho de som impressionante que pavimentam o caminho para que o enredo nos leve a uma situação da qual não se pode retornar.
"#WhereisKyra?" é uma dessas obras raras que o cinema felizmente oferta para seus amantes e, da mesma forma que já nos perguntamos “Onde está Wally?”, Kyra está ali, bem na nossa frente, mesmo que seja mais uma de tantas pessoas invisíveis, por trás de um vidro, num espocar de luzes, desaparecendo do mundo...
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