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Foto do escritorCardoso Júnior

Sem Amor -Rússia - 2017

Atualizado: 21 de ago. de 2020


O vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes 2017, do mesmo diretor de “Leviatã” que chegou ao Top Five do Oscar 2014, explora a mesma frieza humana e de costumes e, talvez por isto, seja o indicado da Rússia a uma vaga no Oscar 2018. Já nas cenas de abertura, uma profusão de belíssimas imagens gélidas, desérticas, estáticas acompanhadas de um som descontinuado que intercala os planos longos, criando uma atmosfera de que algo bom ou mesmo feliz não estará no rumo nem na proposta narrativa escolhida pelo diretor. Não, não é uma tragédia no sentido habitual da palavra, mas, abruptamente, à medida que os poucos personagens vão sendo introduzidos e as atitudes egocêntricas explanadas nos mais que áridos diálogos, vamos nos prendendo a eles com a mesma força com que os repelimos. Logo no início, a inteligente câmera enganosa e desleal estica as cenas sempre prometendo um algo que nunca acontece e nem está lá; seja uma continuação ou uma explicação que não vem, criando uma sensação de voyeurismo da qual queremos nos livrar, mas somos arrastados inexoravelmente pela curiosidade pelo desfecho de situações comuns, cotidianas, ainda que queiramos intervir e dar um basta naquilo tudo. Por certo o tema “Família Disfuncional” nunca foi tratado com tamanho existencialismo e contundência fazendo com que o incauto espectador vá se machucando e se indignando pelo caminho com a crueza e realismo do potencial sarcasmo e indiferença humana. Embora haja um fio condutor nessa exposição do pior de cada um, nessa “a vida como ela também é”, algumas camadas geram questionamentos bastante atuais sobre pessoas trancadas e tragadas para dentro das telas de seus celulares estabelecendo e se acostumando com a frieza dos contatos robóticos, sem toques e sem emoções humanizadoras, em um mundo que o sentido da vida transfere-se para as postagens nas redes sociais, para o frívolo, para o séquito de seguidores anônimos. Com fortíssimo elenco principal e de coadjuvantes, a parte interpretativa é de uma naturalidade espantosa enquanto a tensão de perigo constante vai se instaurando através de diálogos tão ferinos quanto verdadeiros em todas as relações interpessoais que vão num crescendum muito, muito incômodo para a platéia que deseja intervir todo o tempo nas realistas e agudas cenas onde o individualismo do “eu primeiro” embrulham o estômago e revolta.

Assim, “Nelyubov” é um trabalho muito corajoso, tenso e desafiador; fácil de ser compreendido, mas difícil de ser digerido mesmo sem uma única cena de violência explícita. É um espocar, um reflexo no espelho do lado mais egocêntrico do ser humano que habita em todos nós e, é difícil sair imune de tanto desamor, sair sem dor, mesmo que uma criança desapareça; que importância tem isso?

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