Não existem famílias perfeitas, todas possuem algum grau de disfuncionalidade, algumas menos, outras mais e ainda outras em exagero. Logo, sobre algum grau de disfunção tratam as narrativas familiares. Claro que, quanto maior a disfuncionalidade, mais dramáticas e dramatúrgicas são as suas histórias. E, se baseadas em fatos reais, o apelo é ainda maior. O Castelo de Vidro, filme de Destin Daniel Cretton, baseado no livro e vida de Jeannette Walls, enquadra-se, exatamente, neste cenário : um drama real de uma família completamente disfuncional. Destin possui todo o combustível necessário para contar uma história contagiante, com a qual o público cria empatia, se identifica e se conecta. Mas, apesar do amplo subsídio para criar um grande drama, sem apelar para um dramalhão, o filme não pega fogo e torna-se o mesmo castelo de vidro que tanto suas personagens almejam criar, mas sem nunca conseguir. A história gira em torno de Jeannette – personagem baseada na autora e interpretada, quando adulta, por Brie Larson – e alterna entre o presente ficcional e diversos momentos no passado em lembranças da personagem, que, talvez, tenha sido a grande vítima do estilo de vida de seus pais. Jeannette, em uma ocasião, tem grande parte de seu corpo queimada, em um acidente na cozinha, quando ainda bem criança por displicência de sua mãe; em outra, quase se afoga em uma piscina quando seu pai a força a aprender a nadar sozinha; entre outras desventuras, que filhos de um pai alcoólatra e abusivo e uma mãe fora da realidade podem vir a sofrer. Apesar de tantos dramas reais e contundentes, a narrativa, por si só, trata de os apaziguar e amenizar, muito pela obviedade das transições entre as cenas da Jeannette adulta e mais jovem, que parecem psicanalisar a personagem em busca da redenção e conciliação com seu passado, com sua mãe, mas, principalmente, com seu pai, que, quando essa finalmente acontece, não é surpresa alguma. O filme inteiro aponta nesta direção e nela vai sem qualquer grande reviravolta ou surpresa. A atuação de Brie Larson corrobora a narrativa, pois mesmo nas cenas mais dramáticas, não se vê vestígios de raiva ou revolta tão naturais a alguém que passou o que a personagem viveu. Mesmo quando Jeannette torce freneticamente por seu noivo em uma disputa de queda-de-braço com seu pai, ou quando, finalmente, solta toda a mágoa e rancor sobre seus pais em sua festa de noivado, não se veem traços genuínos desses sentimentos. E, se mostra fria, distante e desconectada em todas as outras cenas. A personagem Maureen, sua irmã, interpretada por Brigette Lundy-Paine, consegue demonstrar maior indignação quando decide abandonar a família e ir para a Califórnia. Naomi Watts está muito bem no papel de Rose Mary, a mãe, talvez, uma de suas melhores atuações nos últimos anos. Woody Harrelson, além de ter sido a escolha perfeita para o pai, pois faz o que sabe fazer melhor, uma personagem bêbada, conturbada e disfuncional, também entrega uma das melhores atuações para a tela grande desde O Povo Contra Larry Flint. O resto do elenco adulto – Max Greenfield, Josh Caras e Sarah Snook – é competente e faz jus às suas personagens. O elenco infantil, liderado por Ella Anderson, Jeannette em idade intermediária, foi muito bem selecionado e acaba por compor as cenas mais contundentes, significativas e interessantes do filme. Destin Daniel Cretton, um diretor inexperiente, também responsável pelo roteiro, deixa escapar a dramaticidade da história, possivelmente, preocupado em fazer um dramalhão, abrindo mão da essência de um drama como esse: a profundidade das emoções. Brie Larson está longe de sua atuação vencedora do Oscar e contribui, pela forma como compôs sua personagem, com a superficialidade dramática. Este é o quarto longa-metragem de Destin e o mais conhecido, mais pelo livro e por Brie Larson do que pelo próprio, mas vale assistir. PS: Em cartaz nos bons cinemas.
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