O vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2016, a nosso ver, tem muitos acertos e algumas correntes a serem arrastadas na trajetória.
Ao retratar a cruel saga dos refugiados que atravessam o mar em direção a ilha italiana de Lampedusa, fugindo das mazelas de seus países, evita de forma bem interessante o tradicional formato documental mesclando à tenebrosa e atual temática com o bucólico e pacato dia a dia dos habitantes da ilha, quase não fazendo nenhuma ligação entre os dois núcleos em foco. Ponto!
A opção por apenas linkar as duas histórias através de inteligentes simbologias, a maioria delas, explicitadas pela figura carismática do menino Samuele pode resultar numa jogada de mestre ou, para mentes menos atentas, algo apenas aborrecido de ser acompanhado.
Por certo, o “olho preguiçoso” do menino, formata por si só, uma crítica contundente a cegueira (ler indiferenças), humanas para com a tragédia humanitária de todos os dias. E, essa ótica das analogias pode impressionar e cativar ou, apenas desinteressar.
A narrativa nada linear, composta de vários momentos distintos com personagens que não se conectam em nenhum momento é outra característica muito peculiar da obra e, mais uma vez, o andamento pode ficar bastante comprometido.
Assistir uma família jantando a mesa, com pouquíssimos diálogos, por certo não contribui em nada para prender o interesse do espectador.
O outro lado, o cerne da questão, o cruel drama dos emigrantes é deixado por conta de algumas imagens impactantes sim, mas quando a “lágrima de sangue” surge, o formato da narrativa já produziu o distanciamento do drama e o impacto da tomada fica amenizado pelo ritmo fílmico que vai perdendo, gradualmente, a densidade emocional.
E isso pode ser muito bom ou muito ruim.
Tecnicamente, “#Fuocoammare” é irrepreensível, seja nos enquadramentos, na câmera em closes em difíceis tomadas marítimas, edição, fotografia e é, sem dúvida, um trabalho relevante que o cinema trás expondo a delicadíssima questão mundial, mas a escolha da perspectiva da narração transforma o importante documento em algo apenas legível para quem permanecer acordado.
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